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- Como surgiu a idéia do primeiro livro? Roberto Maia - Há muitos anos atrás, quando eu trabalhava na Rádio
Brasil 2000, ela polarizava, reunia, catalizava as pessoas que gostavam de música, e projetos diferentes. A rádio sempre teve
essa característica de juntar uma linguagem multimídia. A gente não se satisfazia só com a questão de rádio, sempre tentou
fazer alguma coisa de mídia alternativa. Tinha o seu jornalzinho, chamado "Gotas"; fomos a primeira rádio a ter um site na
internet. Então, nós atraíamos pessoas e visionários com idéias novas. Uma vez, um rapaz super jovem, na época com 18 anos,
fazia um fanzine eletrônico, de web, me procurou e me surpreendeu o jeito como ele trabalhava direito, fazia bem. Ele me falou
que tinha um sonho de fazer um livro e se eu poderia ajudá-lo, pois ele não era jornalista. E eu disse, que só pela sua vontade,
iria ajudar sim. Ele se assustou, porque eu estava com muita boa vontade e ajudei mesmo! Comecei a dar o contato para as bandas,
facilitei esse acesso e ele começou a escrever o livro. A rádio ajudou muito a divulgar o livro e acabou até, de uma certa
maneira, produzindo a primeira tiragem do livro. O livro nasceu com aquele intuito bem amador, no sentido de quem ama o que
faz e o faz sem pensar em dinheiro. Assim saiu a primeira edição de duas mil cópias, que sumiram. Anos mais tarde, quando
eu já tinha saído da rádio, ele me propôs que fizéssemos juntos a nova edição do livro e achei maravilhoso poder exercer esse
meu lado jornalístico numa mídia impressa. O livro é mais uma abordagem jornalística, não é uma narrativa histórica. São entrevistas
com as bandas, contando suas pequenas histórias, montando uma história de uma geração, de um período do rock nacional. A gente
fazia os encontros das bandas lá no "Rock Bar", que era um bar que eu tinha, e ficou uma coisa muito descontraída e interessante
a idéia de criar esse livro através de entrevistas num bar de rock. E nasceu, assim, o segundo volume, que a gente foi fazendo
paulatinamente, sem pressa, sem prazo para entregar para editora, pois a gente nem tinha editora na época.... Depois de pronto,
encontramos o pessoal da Editora Esfera que se interessou e agora o livro está aí!
Saraiva.com.br - Qual a diferença entre o primeiro e o segundo
livro? Roberto Maia - Na verdade, o primeiro livro, como o Carlos fez mais solto, e praticamente foi ele quem
o fez sozinho, eu deixei que experimentasse aquele exercício de criar alguma coisa, até de forma solitária e sonhadora. Nesse
segundo já usei mais a minha experiência, e da própria evolução dele, de aprender com os erros do primeiro livro, da ansiedade.
Como qualquer trabalho artístico a pessoa aprende a lidar com a ansiedade, ter a satisfação de fazer a obra. Isso é que foi
interessante, reunir músicos que, às vezes, nunca ninguém se importou em documentar o trabalho deles. Acho que tudo isso é
o prazer de você estar fazendo a coisa. Essa é a diferença: o primeiro foi uma descoberta, o final era mais importante do
que fazer; e o segundo, o fazer foi mais importante até que o final.
Saraiva.com.br - Como você analisa a diferença entre o cenário
do rock brasileiro das bandas mais antigas, vindas de um período pós-ditadura para as bandas atuais? Roberto Maia -
Acho que o problema geral, e mais triste de toda essa história, é que a ditadura em si não influenciou ou não modificou
o comportamento, porém a ditadura do nosso mercado é a mesma. A mesma dificuldade que as bandas tinham nos anos 80, as bandas
hoje em dia têm e talvez até mais: de tocar numa rádio, de aparecer numa grande mídia... Acho que o grande problema, e que
o livro tenta relatar, são esses heróis que lutam contra tudo, toda a sorte de problemas que existem pra você fazer uma banda,
eu não digo nem de rock, mas uma banda para o jovem, uma manifestação cultural "pop-jovem". Aqui no Brasil, o grande problema
nosso, infelizmente, uma coisa que corta muito a expressão e a criatividade do jovem é você não ter o canal para se expressar.
Não ter bares, não ter rádios, não ter livros, não ter jornais, não ter revistas que falem sobre isso. A triste constatação
de tudo isso é que a mesma dificuldade que o pessoal dos anos 80 tinha, até talvez nessa época - por ser uma geração que já
sofria um outro tipo de obstrução política, as bandas novas não tiveram esse tipo de coisa - mas têm muito o problema do mercado,
que às vezes é mais terrível ainda, e se torna mais frustrante você querer falar, mostrar e não ter espaço pra isso.
Saraiva.com.br - Como você analisa o problema da pirataria
de CDs? Roberto Maia - Eu acho que há vários contextos. Primeiro não se preparar para uma mudança. Quando se
saiu do vinil para o CD, ninguém se preparou para essa mudança de conceito. Na verdade, o que se perdeu foi um conceito, não
foi uma mídia em si. Foi a época de paixão que se tinha por um LP. A indústria pirata que existia na época do LP era um outro
conceito da pirataria, não era da falsificação. Hoje em dia não é pirataria, é falsificação. Até o conceito pirata é usado
erroneamente. Existem CDs falsos. Você compra o mesmo CD que saiu em uma loja. Naquela época você comprava pirataria que era
gravada por fãs nos shows e comprada por fãs absolutos das bandas, que tinham todos os discos da banda e mais os piratas.
Hoje em dia não. O cara compra um CD falso porque o acesso ao original é banalizado demais, não tem por que ele comprar um
encarte bonito, um som com qualidade, porque a música banalizou. Essa passagem foi banalizada pela mídia e pelos problemas
econômicos. A indústria pirata é um divertimento para o mundo inteiro hoje em dia. Um desafio pro jovem que gosta de fazer
o seu CD pelo computador. Mas em mercados mais esclarecidos o cara ainda quer a versão original. Às vezes fica mais fácil
você ir até a loja e comprar o seu CD do que fazer pelo computador. A não ser pela brincadeira, mas que ele vai dar mais valor,
como a gente acaba dando aqui. Você veja, coisas que vendem 20 mil cópias não são pirateadas, não tem sentido. São pirateadas
coisas que são muito vendidas, que têm milhões de cópias vendidas. Esse é que é o problema, não saber passar de um nível para
o outro.
Saraiva.com.br - Você acha justo a comparação entre a cópia
de um LP para uma fita cassete e a pirataria de hoje em dia? Roberto Maia - Copiar o produto artístico, isso
é uma coisa que vem desde os teóricos da Escola de Frankfurt, que tiraria o sentido artístico. Existe principalmente com a
indústria cultural pop e existirá sempre. O que eu falo é isso, a banalidade, e a velocidade em que isso se transformou. Você
fazer um pirata de uma coisa extremamente descartável é que é o grande perigo e é isso que ameaça todo o mercado. Ameaça você
fazer um pirata daquelas coisas que mantêm as gravadoras, que eram os produtos de milhões de vendas. Fazer piratas das pequenas
coisas não está ameaçando ninguém, aliás está divulgando as pessoas. Antigamente, na época da fita cassete era isso que acontecia.
O amigo que tinha um disco muito legal, fazia uma fita cassete ou para ouvir no carro ou para dar para um outro amigo que
acabaria, no futuro, até comprando aquele LP. Hoje em dia a cópia não está servindo no sentido de divulgação, está no sentido
do logro, da pessoa não se sentir ludibriada de estar comprando uma coisa muito descartável ou da pessoa que não dá o mínimo
valor pra aquilo. Está ouvindo e sabe que vai quebrar, que aquele CD não vale nada, será jogado fora. É a indústria do descartável.
Saraiva.com.br - Voltando ao livro, há projeto para o terceiro
volume? Roberto Maia - A gente quer fazer uma série, investigando os vários aspectos que estão esquecidos nessa
história musical, documentando e mostrando que é possível e necessário que as pessoas tenham esse canal de expressão. Poder
se comunicar através da música, que não perca esse sentido das bandas, que não acredite-se que vá acabar essa indústria musical,
muito pelo contrário. Acho que agora é o grande momento dela se revigorar, revitalizar e encontrar novos caminhos. O nosso
trabalho é justamente encontrar na história pessoas que conseguiram driblar esse problema, pois é sempre dificultoso você
chegar ao produto final que é o seu trabalho exposto às pessoas. |