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Paulo
Pepe/Nau
Fiéis ao bolachão
Sem preconceito e sem mania de passado, os aficionados por
discos de vinil perpetuam sua paixão com a ajuda dos sebos e carinhosas técnicas de conservação
Por Guilherme Bryan
São vários os motivos que levam uma pessoa a colecionar discos
de vinil. Além do fato de que muitas obras simplesmente não foram lançadas em CD e de que a maioria dos colecionadores começou
a gostar de música numa época em que só havia LP, eles afirmam que, no vinil, a sonoridade reproduz com maior fidelidade a
música e que a arte gráfica de suas capas e encartes é incomparável.
Roberto Maia, um dos sócios do Rock Bar Café, que logo abrirá
filial em São Bernardo do Campo e ganhará novo endereço em São Paulo, muitas vezes compra um LP apenas pela capa, caso de
Carequinha no Iê Iê Iê, dos anos 60. Com cerca de 12 mil discos em sua coleção, que conta com raridades como o primeiro compacto
dos Beatles lançado no país, ele é extremamente cuidadoso, a ponto de deixar um par de luvas estrategicamente posicionado
ao lado de seu toca-disco. Também lembra, com saudade, quando voltava do exterior carregado de discos: “Era muito estranho
e uma loucura entrar no avião carregando cerca de 50 discos (aproximadamente 25 kg) numa mala”.
Uma vez, Maia se distraiu e, ao emprestar um disco para seu ex-funcionário
da rádio Brasil 2000 FM, o locutor e programador Osmar Santos Júnior, sofreu o que este denomina “saque cultural”:
o disco nunca foi devolvido. Osmar, apesar de ter 1.500 vinis em sua coleção, destaca que, para sua profissão, é muito mais
prático utilizar o CD ou o MP3, pois não corre o risco de a música “pular”. Diferentemente, por exemplo, dos DJs,
para os quais o vinil é uma ferramenta de trabalho. Osmar acredita, porém, que colocar o vinil para tocar faz parte de um
culto e de um ritual.
O crítico de música da Folha de S.Paulo, Pedro Alexandre Sanches,
que “namorou” durante muito tempo o primeiro disco de Tom Zé até conseguir comprá-lo, tem a mesma opinião: “Faz
parte da brincadeira de se escutar um disco de vinil o fato de que, às vezes, ele irá chiar e pular”. “Eu fico
fascinado em ver o disco girar e a agulha passar sobre ele, e observar o tamanho de cada música. Isto dá humanidade ao vinil
e, por isso, o sentimos tão próximo. Algo que o CD, por ser impessoal, não oferece”, completa o roteirista da TV Globo,
Vincent Villari.
Villari é colecionador de um determinado gênero de discos. Possui
mais de 400 trilhas sonoras das telenovelas brasileiras, as quais começou a comprar aos 7 anos de idade. Desde então, ele
já foi capaz de várias loucuras por conta de um disco: “Odiava o meu vizinho, que estava doente e precisava da carona
da minha mãe. Como sabia que a tia dele tinha uma trilha que eu queria, não deu outra: troquei o disco pela carona”.
O multimídia Kid Vinil, que hoje possui cerca de 8 mil discos,
foi literalmente mais longe: comprou LPs com o dinheiro que seu pai deu para comprar passes escolares e teve que percorrer
vários quilômetros a pé, diariamente, durante um mês. Ele começou sua coleção com Yellow Submarine, dos Beatles, decepcionado
por não ter ali todas as músicas do filme. De lá para cá, não parou mais de comprar discos, principalmente de bandas obscuras
de rock.
Claro que os colecionadores não são apenas pessoas ligadas, de
alguma maneira, ao meio musical. “Todo mundo que é amante da música acaba tendo as obras que gosta mais e, por isso,
as procura”, explica o professor de História, Marco Antonio Ramos, que se orgulha dos cerca de 200 discos que possui
só de jazz. No mesmo caso está o dono de cartório aposentado, Paulo de Tarso Souza, que começou sua coleção com os discos
que ganhava de seu tio – gerente da gravadora Odeon – antes mesmo de ter um toca-disco em casa. Com cerca de 1.500
discos, os quais não deixa ninguém colocar para tocar, entre eles antigos 78-rotações, ele também já foi capaz de loucuras:
“Como meu pai era conhecido na cidade, eu comprava fiado. No final do mês, ele recebia a conta e ficava puto comigo”.
Muito mais controlado é o professor de Matemática Ronaldo Nicolai,
que, apesar de sua paixão o levar a ter 300 discos de choro numa coleção de 1.300 títulos, nunca gastou grandes fortunas.
Porém, ao passar na frente de um sebo, não resiste: “Às vezes, dá uma intuição. Você entra num sebo e encontra alguma
coisa que está procurando há anos. Ou seja, enxerga coisas que os outros não vêem. Por exemplo, encontrei um disco incrível
de marchas militares na Ventania Discos que nunca vi em outro lugar”.
É esse o espírito que leva centenas de pessoas a entrar diariamente
nos vários sebos espalhados pela cidade de São Paulo, apontada como o melhor mercado para os colecionadores. Porém, esse não
é um ramo de lucro tão certo. “O retorno é de longuíssimo prazo. Só que ele dá muita mercadoria, o que nos leva a abrir
novas lojas”, afirma o dono da Discomania, Marcelo Di Giacomo.
Ex-corretor de seguros, Giacomo continua tendo sua coleção particular
e acredita que conseguiu transformar seu hobby num negócio. Para ele, o interesse pelo vinil está relacionado ao fato de que
o LP pegou a melhor fase da música mundial. Já Alcides Filho, ex-funcionário de uma farmácia e hoje proprietário da Ventania
Discos, tem outra opinião: “O interesse pelo vinil se deve ao prazer de se ter um disco original, ou seja, uma nostalgia
que toca a pessoa”.
O certo é que os sebos atraem cada vez mais pessoas, a ponto
de o químico Gilberto Vieira de Almeida abrir a primeira loja do ramo da América do Sul localizada num shopping – na
verdade, uma filial da sua Splish Splash. “A freqüência na minha loja era uma coisa repetitiva e não atingia outro público.
Um dia, ao observar no estacionamento de um shopping que, de cada quatro carros, um era de fora, tive a idéia. Atingi outro
público e alavanquei a loja antiga.” Ele avisa que não adianta propaganda: “O que vale mesmo é o boca a boca”.
Caros e raros
A crise que abateu o mercado de bolachões com o surgimento dos
toca-discos a laser – argumento inicial do filme Durval Discos –, atingiu muita gente. Entre elas, Luiz Calanca,
dono de uma das primeiras lojas no ramo, a Baratos & Afins, que está completando 25 anos. Imaginando que poderia ser o
fim do seu negócio, ele tomou uma atitude corajosa: oferecer a novidade em troca de discos de vinil, o que acabou lhe trazendo
ótimos resultados.
Hoje, passadas quase duas décadas depois do advento dos compact
discs, os discos de vinil despertam grande interesse principalmente nos países desenvolvidos, onde uma porcentagem dos lançamentos
ainda saem em LP, caso dos álbuns da cantora Mariah Carey. Isso atrai, inclusive, turistas estrangeiros aos sebos daqui –
o que, para os colecionadores brasileiros, acaba sendo mais um problema. Por um lado, os preços aumentam – o primeiro
disco do Roberto Carlos, Louco Por Você, chega a custar 4.000 reais. Por outro, os discos desaparecem. Recentemente, a Discomania
colocou à venda, por 400 reais, um único exemplar do disco Jack Wilson plays Brazilian Mancini, álbum de 1969 em que Tom Jobim,
então morando nos EUA, aparece como músico especialmente convidado, com o pseudônimo de Tony Brazil, pois a exclusividade
com sua gravadora o impedia de participar de outros trabalhos.
“É uma pena. Coisas dos anos 60 que são limitadas
já desapareceram ou estão prestes a desaparecer”, lamenta o ex-Magazine Kid Vinil. As raridades tornam-se cada vez mais
raras e caras. Uma saída é visitar lojas de outras cidades. “Em São Paulo, as coisas acontecem com mais freqüência.
Há feiras, como a da Benedito Calixto, todos os sábados. Porém, às vezes, raridades só são encontradas no Rio Grande do Sul”,
alerta Kid Vinil, que cita uma feira bimestral que acontece num galpão da Avenida Rio Branco (centro de São Paulo) e reúne
expositores de vários lugares do país. “Na Bahia, por exemplo, os bons discos não valem nada”, completa Luiz Calanca.
“Aqui as pessoas não dão valor às coisas artísticas que têm. Acham que é apenas um monte de discos velhos e não percebem
que o som do vinil tem muito mais definição”, observa.
Cuidados especiais
Marcelo Di Giacomo, da Discomania, mesmo concordando que no CD
a música realmente perde alguns de seus detalhes, avisa que isso só será percebido quando o disco for tocado numa boa aparelhagem.
Segundo ele, cápsulas de agulha de boa qualidade só são encontradas nos Estados Unidos e podem ser importadas pela Internet.
Mas, para pessoas como o crítico Pedro Alexandre, que nunca trocaram a agulha e preferem nem pensar no assunto, há a loja
Catodi, especializada no produto.
O vinil também precisa de uma série de cuidados. As dicas mais
comuns são não deixá-lo deitado, nem em lugares expostos à umidade ou ao calor. É preciso também mantê-lo longe da poeira:
a melhor solução é guardá-lo no envelope de plástico ou papel com a boca voltada para dentro da capa; a entrada da capa também
pode ser protegida com o próprio plástico que a envolve. No caso do plástico, ele pode chegar a esfarelar, por isso, é preciso
trocá-lo de vez em quando. Se for algum disco que não é tocado habitualmente, é bom até lacrá-lo – procedimento adotado
por Gilberto Vieira, da Splish Splash.
De tempos em tempos, os discos precisam ser lavados com produtos
como sabão ou shampoo. Luiz Calanca, por exemplo, chega a tomar banho com eles. Depois, para enxugá-los, é melhor utilizar
uma toalha. Para se assegurar de que estão realmente secos, é possível deixá-los tomando ar em algum lugar que não bata sol.
Isto é o que faz o professor e colecionador Ronaldo Nicolai.
Para tirar o chiado ou risco de algum disco, também há algumas
técnicas. A primeira é passar o disco num aparelho de televisão ligado. Outra é borrifar o disco com spray purificador de
ar – Gleid por exemplo – espalhar o produto circularmente, tocar o LP e, depois, lavá-lo novamente. Isto ajuda
a tirar o ruído do disco ressecado. Por fim, há no mercado pessoas que restauram discos.
Ser colecionador de discos de vinil, portanto, não é apenas amontoá-los
numa estante. É uma atividade que exige muito carinho, dedicação e, às vezes, investimentos. Todos garantem, porém, que a
relação afetiva com a posse de um disco original, com uma capa bonita, e escutá-lo, se possível, num aparelho da época, é
insubstituível. Afinal, o que está na origem dessa mania é o amor pela música e a exigência em ouvi-la da maneira mais fiel
à como foi gravada.
Serviço Baratos & Afins – Rua 24 de Maio, 62, cjs. 314/318, Centro. São Paulo, 223-3629.
Catodi (Casa do Toca-Discos) – Rua Santa Ifigênia, 398, Centro, São Paulo, 221-3537. Discomania – Rua Augusta,
560, Centro, São Paulo, 3257-2925. Ventania Discos – Rua 24 de Maio, 188, cjs. 113/117, Centro, São Paulo, 222-6273.
Splish Splash – Av. Aquidabã, 692, Bosque, Campinas, (19) 3236-3974; e Shopping D. Pedro, Entrada das Águas, loja 162,
(19) 3756-7555.
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